A transformação digital chegou também aos departamentos de gestão de compras e está a comandar uma nova revolução industrial. A lista de tecnologias consideradas 4.0 como big data, analytics, machine learning, business intelligence e cloud computing abriu um novo leque de oportunidades para as empresas, digitalizando processos, levando inovação a produtos e serviços, possibilitando novos modelos de negócio, e a solução de antigos problemas.
A mudança, no entanto, ainda caminha a passos lentos. É o que mostra o estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) “Oportunidades para Indústria 4.0: aspectos da demanda e oferta no Brasil”. O documento cruzou dados de produtividade, exportação e taxa de inovação de diversos setores industriais brasileiros e comparou-os com o desempenho das 30 maiores economias do mundo, que juntas representam 86% do PIB mundial.
A pesquisa mostrou que 14 dos 24 setores da indústria do país precisam de adotar com urgência estratégias de digitalização para se tornarem internacionalmente competitivos. Segundo o estudo, esse esforço em direção ao avanço tecnológico impacta diretamente a produtividade dos negócios.
Enquanto as indústrias tentam evoluir nesse sentido, aumenta diariamente a quantidade de empresas que prometem oferecer determinadas tecnologias. “Ter mais informação é importante, mas esta deve ter qualidade”, disse Fabio Cerquinho, engenheiro de produção e doutorado pelo IESE Business School, coordenador do curso “Administração Estratégica de Compras”, oferecido pela Fundação Instituto de Administração (FIA).
Para ele, a tecnologia pode ajudar a “extrair ouro de toneladas de material”, como é o caso do machine learning, que reduz o tempo necessário para criar prognósticos precisos e confiáveis. Apesar do impacto significativo na capacidade de planeamento das organizações e de seus recursos, essa meta é difícil de ser alcançada. “Os setores e as empresas terão de se adaptar, mas a velocidade e o grau de avanço dependem de características que não são homogéneas”, contou Cerquinho, citando como exemplo o setor do retalho, onde as evoluções costumam acontecer mais rapidamente.
A quarta geração das compras corporativas
No setor de aquisições, tecnologias que antes pareciam abstratas já estão a ser adotadas, ainda que lentamente. Com isso, foi inaugurada a era das Compras 4.0, um período que une estratégia à tecnologia para potenciar as compras corporativas e fazer valer a máxima de que cada euro economizado em compras equivale a um euro de lucro. “Compras passa a apenas monitorizar o que é transacional, e assim é possível focar no que agrega mais valor: trazer inovação e gestão dos riscos”, exemplifica Cerquinho.
É um fato: o momento é decisivo para muitas organizações. De um lado, as indústrias precisam de escolher e implementar as novas tecnologias. Do outro, os fornecedores precisam de dominar a modernização e adaptá-la aos seus clientes. O problema é que o mercado tem valorizado mais quem apenas fala desses tendências do que quem realmente produz soluções baseadas nas novas tecnologias.
Enquanto isso, conforme explica Cerquinho, no Brasil predominam empresas com um baixo nível de maturidade em compras. “Elas usam e abusam de papéis, e-mails e telefonemas. Elas planeiam pouco e convivem com improvisações. Tudo isto é caro e ineficiente”, afirmou. “O incremento da automação é essencial, mas ela deve ser bem planeada e executada”.
Para ele, esse movimento é fundamental para o país ser mais competitivo. “E como consequência as pessoas ficam liberadas de tarefas rotineiras e com baixo valor agregado”. Contudo, Cerquinho alerta que de nada adianta investir em tecnologia, sem contar com pessoas qualificadas na gestão. “Há empresas que gastam milhões em tecnologia, mas não investem nas pessoas. É uma questão e um problema cultural”.
Para resolver esta questão, Cerquinho acredita que é preciso combinar a experiência de profissionais séniores à força motora dos jovens, mas, sobretudo, qualificar pessoas. “Na área de compras existe um gap global de pessoas qualificadas para cuidar dos aspectos estratégicos, além das novas demandas para lidar com os dados e tecnologias. Mas em geral não está havendo o investimento necessário em desenvolver pessoas com as competências para ‘projetar e pilotar’ estas novas tecnologias; apenas contratar consultorias não vai resolver estas questões”.
Valor nas compras do século XXI
As organizações precisam de considerar a forma como a abordagem digital irá alterar não apenas a forma como elas funcionam, mas a proposta de valor da aquisição para fornecedores, clientes e parceiros de processos internos. “É preciso contar com plataformas de serviços tecnológicos com uma boa base de usuários e uma entrega de valor comprovada”, contou Cerquinho.
Já que o novo panorama é de tendência para a automação de processos, incluindo negociações e profissionais mais focados em estratégias, contratar serviços e soluções externas será cada vez mais importante e desafiante. “Pois haverá novos parâmetros de especificação que não são ainda bem conhecidos”.
Em breve, assistiremos com mais clareza a esse novo panorama das Compras 4.0 no Brasil, englobando áreas de proposta de valor de aprovisionamento, categorias digitais e de aquisição de serviços, cadeia de suprimentos digital e gerenciamento de fornecedores, inovação de dados de aquisição, processos e ferramentas digitais e sustentáveis, além da gestão de riscos digital.
Adaptado de: blog.me.com.br