Desenvolver uma cadeia de suprimentos pautada num procurement sustentável pode impulsionar o valor e o sucesso – tanto para os negócios, quanto para a sociedade. É por isso que as empresas têm ampliado o seu compromisso com práticas de responsabilidade corporativa e co-responsabilidade nas suas cadeias de valor.
O mundo está a mudar. Consumidores, colaboradores, investidores e comunidades esperam que as empresas façam mais do que lucrar. Eles querem conectar-se com empresas que “façam a diferença” e que contribuam para o bem-estar de funcionários, da comunidade, dos fornecedores e para o meio ambiente.
Uma pesquisa da ISEAL Alliance realizada em 2017 demonstrou que as empresas que conquistaram certificados de sustentabilidade melhoram o seu acesso ao mercado, aumentaram os seus lucros, reputação e reduziram custos e o risco para fabricantes e retalhistas. Na BM&F Bovespa (Brasil), as acções das organizações que integram o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado para analisar a performance das empresas sob aspectos sustentáveis baseados em eficiência económica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança, valorizaram 100% entre 2005 e 2015, contra 25% das listadas no Ibovespa.
Em outras palavras, as pessoas buscam o que na prática se resume ao conceito de triple bottom line: pessoas, planeta e lucro. Esse tripé da sustentabilidade prevê que o lucro seja apenas um dos resultados para focar. Embora o senso comum indique que o termo sustentabilidade se refira apenas ao uso sustentável de recursos naturais, ser sustentável compreende também as vertentes sociais e económicas do universo empresarial.
É por isso que, além da atenção às suas próprias actividades de manufactura, transporte, distribuição e aquisição, as empresas estão enfatizando cada vez mais as acções de impacto social que englobam a diversidade e a inclusão nas práticas de contratação, seja da sua força de trabalho ou na contratação de fornecedores. E o procurement faz parte do processo pelo qual as organizações podem produzir valor, influenciando e desenvolvendo a cadeia em prol de uma lógica mais responsável para os negócios.
No entanto, enquanto algumas empresas se baseiam na nova economia (capitalismo consciente) e já se anteciparam em relação à nova cultura, outras ainda mantêm o preço, o nível de serviço e a qualidade como os únicos parâmetros para a escolha de fornecedores. “O profissional de compras ainda é muito cobrado por saving e cost avoidance. É preciso privilegiar uma abordagem balanceada. Mais do que apenas a questão económica, é necessário pensar de forma abrangente sobre os impactos sociais e ambientais induzidos pela compra”, disse Eduardo Sanches, sócio executivo da Diagma Consulting Brasil e especialista em supply chain management com experiência em sustentabilidade aplicada a procurement e supply.
Se o desafio das organizações agora é atender às suas necessidades de bens e serviços, maximizando benefícios para sua rede e para o resto do mundo, resta saber, como isso funciona na prática. “Apostando em estratégias de compras, na preparação de processos e em tomadas de decisão complexas baseadas em critérios de sustentabilidade”, indicou Sanches.
“Ao contratar um fornecedor com uma prática social abaixo da dos outros concorrentes, eu posso pensar no que está ao meu alcance para que ele melhore em um prazo de dois anos, sem alterar sua competitividade de custo”, exemplificou. Contudo, esses não são os únicos critérios capazes de transformar um negócio em sustentável.
Governança + Colaboração = Ambiente Sustentável
Além dos riscos sociais e ambientais inerentes aos negócios, a governança é outro desafio para as cadeias de suprimentos. “Análise de riscos envolve um sourcing e um procurement sustentável e é o início de uma avaliação sistemática para a tomada de decisão de negócio”, contou Eduardo Sanches. “O grande dilema, pois envolve um pensamento complexo, é saber o que privilegiar de acordo com cada projecto, levando em conta a inovação, agenda socio-ambiental, logística, entre outras características”.
A principal barreira na implementação de um projecto robusto de governança, conforme explica Marcelo Pereira, director de gestão de fornecedores do Mercado Eletrônico, é que as áreas de compras não sabem ao certo como agir em relação aos riscos. “Quando se fala de e-procurement, todo o mundo entende o que é requisição, cotação e pedido. Mas quando se fala em registo, avaliação, homologação e gestão de fornecedores e terceiros, ainda existe pouca referência sobre o assunto”.
O estudo “Risco de Terceiros”, realizado pela Thomson Reuters, entrevistou empresas em nove países e revelou que apenas 55% das pesquisadas brasileiras fazem análise de risco dos seus subcontratados. Esses dados reforçam a falta de conhecimento em relação à reputação de seus fornecedores (práticas de corrupção, uso de mão-de-obra irregular etc.), o que pode resultar, inclusive, em punições legais para as companhias contratantes.
De acordo com Marcelo Pereira, a gestão do risco é uma das camadas da sustentabilidade. Por isso, uma gestão estratégica voltada para um procurement sustentável deve estar ligada a processos eficientes de gestão de riscos, desde o saneamento dos dados cadastrais dos parceiros até a avaliação da reputação de fornecedores e seus executivos.
Aspectos como habilitação jurídica, verificação de regularidades fiscais e trabalhistas, qualificação técnica-operacional, análise financeira e práticas de sustentabilidade devem ser levados em conta na gestão dos fornecedores. “É preciso monitorizar esses requisitos constantemente, não apenas na hora de fechar um acordo”, destacou Marcelo Pereira.
O executivo ressalta ainda que existe pouca confiança entre compradores e fornecedores, o que reflete na capacidade de inovação conjunta. “Na maioria das cadeias de suprimentos, 90% dos relacionamentos ainda são transacionais. É prática comum que grandes fabricantes ou retalhistas pressionem seus fornecedores a reduzir custos, mas isso está começando a mudar”, revelou o director.
É aí que entra a colaboração, de acordo com Marcelo Pereira, um ativo corporativo. “Não há dúvida de que um relacionamento estreito dá mais trabalho. Mas também compensa”, contou. Para ele, uma aliança entre comprador e fornecedor é capaz de garantir a sobrevivência das empresas em períodos de recessão, graças à políticas de redução de riscos e incertezas do ambiente. “Ao que tudo indica, em breve as pessoas enxergarão em uma empresa, as outras empresas que caminham com ela”.
Por envolver um maior grau de colaboração e envolvimento entre todas as partes de uma cadeia de suprimentos, muitas empresas adotaram uma interpretação própria de compras sustentáveis desenvolvendo ferramentas, além de técnicas para apoiar esse envolvimento e colaboração. “A automatização ajuda a quebrar barreiras, optimizando processos, reduzindo custos operacionais, monitorando efetivamente os riscos e compliance e promovendo a maior colaboração com fornecedores”, concluiu Marcelo Pereira.